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DOENÇA INFLAMATÓRIA INTESTINAL

Doença Inflamatória Intestinal (DII) é o termo usado para se referir a Doença de Crohn (DC) e Retocolite Ulcerativa (RCU), doenças inflamatórias crônicas e recidivantes do trato gastrointestinal, onde o sistema imune do próprio organismo agride e inflama o intestino, dentre outros órgãos.  A etiologia precisa das DII é desconhecida, envolvendo múltiplos fatores (genéticos, étnicos, ambientais, dietéticos e relacionados a microbiota intestinal), responsáveis por ativar as células de defesa e orquestrar uma resposta inflamatória complexa com liberação de mediadores inflamatórios (citocinas) e lesão tecidual.

A DII tem uma incidência de cerca de 20 casos por 100.000 habitantes, ocorrendo em uma distribuição bimodal, com o primeiro pico entre pacientes jovens (2ª e 3ª décadas de vida) e um segundo pico, menor, em pacientes mais velhos (a partir da 6ª década). Não há predileção por sexo, acometendo igualmente homens e mulheres.

Apesar de agrupadas em um mesmo termo, a DC e RCU possuem características distintas que permitem diferenciá-las na maioria dos casos, o que pode não ocorrer em cerca de 5-10% dos casos, agrupados como “colite não classificada” ao diagnóstico.

A DC pode acometer qualquer parte do trato gastrointestinal (da boca ao ânus), por vezes em aspecto “salteado”, com áreas sãs entremeadas por áreas doentes e inflamadas. O local mais comumente acometido é a região ileocecal (transição entre o intestino delgado e grosso), seguida do cólon e do intestino delgado. Há envolvimento transmural (todas as camadas do intestino são acometidas), o que gera complicações comuns na doença, como fístulas, estenoses e abscessos.

Já a RCU acomete apenas o intestino grosso, progredindo de forma contínua e ascendente a partir do reto, que costuma ser o local de maior inflamação em pacientes virgens de tratamento. Apenas a camada mais superficial (mucosa) é acometida, havendo inflamação com enantema, erosões e úlceras por toda a circunferência da região acometida, com nítida demarcação entre as áreas sãs e doentes, o que muitas vezes não ocorre na DC.

 

QUAIS OS PRINCIPAIS FATORES DE RISCO?

-Fatores Genéticos e História Familiar (parentes de 1º grau tem 4-20x mais risco de apresentar DII);

-Raça Branca;

-Obesidade (relação com maior atividade inflamatória e complicações perianais, no caso da Doença de Crohn);

-Tabagismo (aumenta o risco de DC, conferindo prognóstico pior e comportamento fistulizante. Curiosamente, exerce efeito protetor em pacientes com RCU);

-Uso de antibióticos (especialmente na primeira infância, levando a alteração da microbiota intestinal) e histórico de infecções intestinais (gastroenterites e colites infecciosas);

-Uso de anti-inflamatórios não esteroidais (AINES) – maior risco de exacerbação

 

QUAIS OS SINTOMAS?

 

DOENÇA DE CROHN

Os sintomas mais comuns da DC são dor abdominal, diarreia, febre e perda de peso. Complicações como fístulas perianais com drenagem de secreção purulenta, abscessos e massas abdominais palpáveis (flegmão inflamatório) podem ocorrer, sendo mais comuns em casos graves. Sangramento retal pode ocorrer, embora seja mais comum na RCU.

 

RETOCOLITE ULCERATIVA

O quadro clínico da RCU é de diarreia mucossanguinolenta, com sintomas de dor abdominal, tenesmo (com sensação de evacuação incompleta) e urgência fecal, sendo rara a presença de fístulas perianais, abscessos. Quadros graves podem evoluir com anemia importante, síndrome consumptiva e até mesmo megacólon tóxico, onde o cólon inflamado dilata bastante, com risco de perfuração e necessidade de cirurgia.

 

MANIFESTAÇÕES EXTRAINTESTINAIS

Doenças sistêmicas, as DII também podem apresentar manifestações extraintestinais, que podem preceder, ocorrer simultaneamente ou após o diagnóstico da DII e do quadro clínico intestinal. Podem acometer os mais variados sistemas, a saber os mais comuns:

-Pele e Anexos: Pioderma Gangrenoso, Eritema Nodoso, Aftas orais

-Oftalmológico: Uveíte, Episclerite e Esclerite

-Osteoarticular: Artrite periférica, espondiloartrite e sacroileíte (acometimento axial)

-Fígado e Vias Biliares: Colangite Esclerosante Primária

 

COMO FAZER O DIAGNÓSTICO?

O diagnóstico das DII depende da combinação do quadro clínico (anamnese e exame físico), exames laboratoriais, radiológicos e endoscópicos, sendo desafiador para o gastroenterologista na maioria dos casos.

A anamnese deve ser minuciosa, com atenção a evolução temporal dos sintomas, sintomas constitucionais (febre, fadiga, perda ponderal) e sugestivos de manifestações extraintestinais, que devem ser questionados ativamente. O exame físico deve ser completo, incluindo o exame proctológico e da região perianal (com atenção a fístulas e abscessos).

Exames laboratoriais podem fornecer evidências indiretas do grau de atividade da DII e da má absorção de nutrientes, manifestas através de anemia, deficiência de ferro, vitamina B12, ácido fólico e vitamina D, hipoalbuminemia e aumento de provas inflamatórias, como a proteína C reativa (PCR) e velocidade de hemossedimentação (VHS). A calprotectina fecal, enzima produzida por leucócitos e dosada nas fezes, apresenta bastante utilidade no seguimento de pacientes com diagnóstico de DII, permitindo monitorar a eficácia dos tratamentos instituídos e diagnosticar precocemente as recidivas das DII.

A utilização de exames radiológicos é de suma importância, especialmente na Doença de Crohn do intestino delgado e perianal, através da enterografia por TC ou por ressonância, que utiliza um contraste oral neutro e contraste endovenoso capazes de realçar áreas inflamadas e espessadas do intestino, bem como estenoses, abscessos e fístulas.

A colonoscopia, por sua vez, tem papel central no diagnóstico da DC ileocolônica e da RCU, evidenciando áreas de inflamação contínua, friabilidade, sangramento, erosões e úlceras a partir do reto nos casos de RCU, enquanto a presença de “skip lesions” (áreas inflamadas entremeadas por áreas sãs), úlceras de aspectos variados (desde tênues úlceras aftoides no íleo terminal até úlceras profundas, serpinginosas, com exposição da camada muscular), estenoses e deformidades da válvula ileocecal sugerem o diagnóstico de DC. Através dos exames endoscópicos, pode-se realizar biópsias, fazer o diagnóstico e seguimento dos pacientes em tratamento (cuja cicatrização mucosa é uma meta a ser atingida), bem como fazer a vigilância periódica de lesões displásicas e neoplásicas em pacientes com RCU (colite esquerda e pancolite) e DC de cólon acometendo mais de 1/3 do cólon.

 

QUAL O TRATAMENTO?

 

A abordagem terapêutica da DII é complexa, devendo ser realizada por uma equipe multiprofissional especializada, envolvendo o médico gastroenterologista, endoscopista, enfermeiros e nutricionistas, capazes de ofertar um tratamento de excelência para os pacientes.

Medidas gerais de suporte nutricional devem ser pensadas para todos os pacientes, especialmente aqueles com doenças moderadas a graves, desnutridos e hipercatabólicos, evitando-se a restrição inadvertida de nutrientes e vitaminas essenciais. O calendário vacinal deve ser mantido atualizado, lembrando que muitas das medicações utilizadas para DII diminuem a imunidade do indivíduo, tornando-o mais suscetível a infecções oportunistas.

O tratamento específico da DII depende do tipo (Doença de Crohn ou Retocolite), da localização e extensão da doença, assim como da gravidade dos sintomas, devendo ser individualizado. Casos leves podem ser manejados com medicações antiinflamatórias como aminossalicilatos (sulfassalazina e mesalazina) e corticóides (preferindo formulações com liberação entérica e menos efeitos sistêmicos, como a budesonida), úteis para induzir e manter a remissão em pacientes com RCU (aminossalicilatos) e DC (corticoides induzem a remissão em casos leves). Antibióticos (como o Metronidazol) podem ser usado para tratar complicações infecciosas (abscessos, supercrescimento bacteriano) e ajudar na indução e manutenção da remissão de alguns casos selecionados.

Casos moderados a graves requerem uso de medicações que suprimem a ação das células inflamatórias, sendo ditas imunomoduladoras, como a azatioprina (usado na DC e RCU) e metotrexato (somente na DC) ou agem bloqueando determinados tipos de citocinas inflamatórias, como é o caso dos agentes biológicos, dispostos em várias classes, como anti-TNF’s (infliximabe, adalimumabe, certolizumabe), anti-integrinas (vedolizumabe), anti interleucina-12/23 (ustekinumabe) ou inibidores da JAK (tofacitinibe), cada um com sua peculiaridade e indicações precisas, úteis nos casos graves e refratários, com boas taxas de sucesso e cicatrização de mucosa.

Com o advento de um potente arsenal de medicações para manejo dos pacientes com DII, a cirurgia ficou restrita a situações de urgência/emergência, como casos de RCU com colite grave refratária e/ou perfuração intestinal, bem como no manejo de complicações penetrantes (fístulas e abscessos) e estenosantes (estenoses fibróticas são mais beneficiadas da cirurgia) na DC. Sempre que possível, abordagens minimamente invasivas (por radiointervenção ou métodos endoscópicos) devem ser adotadas, evitando a evolução no longo prazo para uma síndrome do intestino curto, vista em pacientes com DC submetidos a múltiplas ressecções intestinais durante a vida.

Importante salientar que não há uma única forma de tratar a DII, sendo essencial a presença de um gastroenterologista com experiência nessas doenças, capaz de ofertar um tratamento personalizado para as necessidades de cada paciente.

Dr. Arthur A. Arrais de Souza  
CRM-CE: 14188 / RQE-Gastroenterologia: 9911 / RQE-Endoscopia: 9996  
-Médico Especialista com Residência em Gastroenterologia e Endoscopia Digestiva pelo Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo (HC-FMUSP)
-Título de Especialista em Gastroenterologia pela Federação Brasileira de Gastroenterologia (FBG)
-Título de Especialista (Área de Atuação) em Endoscopia Digestiva pela Sociedade Brasileira de Endoscopia (SOBED) .